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Lei 111.638/o7 só se aplica a poucas empresas
A forma de noticiar sobre as reformas contábeis nas sociedades por ações e as de maior porte tem causado confusões de entendimentos.
*Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá
A forma de noticiar sobre as reformas contábeis nas sociedades por ações e as de maior porte tem causado confusões de entendimentos.
Tem causado confusão a deficiência de informação que tem ensejado a impressão de que todas as empresas estariam sujeitas a uma adaptação às normas ditas internacionais de Contabilidade e que se sujeitariam a um novo modelo de demonstrações.
Algumas notícias têm induzido a crer que “tudo mudou em Contabilidade” e que há uma “nova técnica de informar” obrigatória para todos.
A verdade, entretanto, é que nada mudou para cerca de 6.000.000 de empresas, ou seja, a maioria absoluta; apenas pouco mais de 1.000, ou seja, cerca de 0,002 será impactado por efeito da lei, ou seja, um inexpressivo percentual.
Não há um só dispositivo de lei que obrigue as cerca de 6.000.000 de empresas brasileiras a seguirem as tais normas; por efeito da Constituição de nosso País “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” (artigo 5º II).
Não se justifica, pois, um alarde, nem preocupações em mudar modelos que até agora foram competentes e são suficientes, além de acreditados pela comunidade; o que não se manifestou competente, entretanto, perante a crise financeira internacional foram as normas que a lei obriga sejam seguidas pela empresas de maior porte e “abertas em capital” (somente estas).
O que perante o legislado a maioria das empresas brasileiras está obrigada a seguir é o que preceitua o direito de empresa previsto pelo Código Civil Brasileiro, este que excluiu as sociedades por ações.
Se a reforma é da lei das sociedades por ações, se estas foram essas as atingidas pela lei 11.638/07, só empresas dessa natureza são as alcançadas legalmente pelas alterações que obrigam a dita “convergência ao modelo estrangeiro”; ressalvado apenas fica o caso das “limitadas” de grande porte porque assim está expresso na referida lei.
Está meridianamente proclamado no diploma legal aludido que ele “Altera e revoga dispositivos da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras”, logo, nada além disso é obrigatório cumprir-se; esse o limite de alcance estabelecido.
As próprias sociedades por ações “fechadas” não estão obrigadas a seguir as resoluções de adaptação às normas segundo o texto da lei 11.638/07 que estabelece no artigo 1º que “As companhias fechadas poderão optar por observar as normas sobre demonstrações financeiras expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários para as companhias abertas”, logo, “poderão” e não “deverão”, está claro; trata-se de opção e não de dever ou obrigação.
Que se dizer, então, com relação a cerca de 6.000.000 de empresas de outras naturezas, se a reforma sendo das sociedades por ações nem a essas todas alcança?
Não adiantam, pois, segundo o estabelecido pela Constituição de nosso País, normas emitidas por quaisquer entidades no sentido de alterar as disposições do Código Civil; é este o que prevalece.
Não existem, também, legalmente constituídas, entidades fiscalizadoras das empresas que não são “abertas em capital” para a questão de implantação de modelo contábil dito “internacional”; não há, também, punição estabelecida em lei para as cerca de 6.000.000 de empresas se não seguirem as tais normas e ninguém, a não ser a lei, poderá obrigar a tal cumprimento.
Quaisquer exigências, pois, em sentido contrário serão ilegais; noticia que induza a crer que a obrigatoriedade é geral falta à verdade e induz o leitor ao erro.
Ademais, não justifica aplicar normas que se encontram equivocadas contabilmente em pontos relevantes, recebendo críticas em várias partes do mundo, substituindo um modelo nacional aceitável pelo de uma entidade particular que se intitula internacional, que se coloca acima da lei (assim esta expresso nos conceitos básicos das denominadas IRFS) e que afirma e deixa de afirmar o mesmo tempo sobre temas relevantes como o do Valor Justo, de acordo com interesses em jogo (a IASB, autora das normas, revogou os próprios conceitos que proclamou como básicos, acomodando situações).
Ademais, tais normas não se preocupam com efeitos gerenciais e, no entanto, são estes os que interessam a quase totalidade das empresas.
O modelo que está sendo apregoado como “melhor” tem inspirações no mesmo que foi incompetente para evitar a crise financeira, amparando informações deformadas segundo acusam ilustres profissionais em diversos países (França, Portugal, Estados Unidos etc.).
Fossem as normas ditas internacionais competentes e não teriam ensejado a ocultação sobre a realidade das empresas, esta que fez estourar uma enorme bolha formada há anos, advertida há mais de uma década passada por competentes jornalistas da revista Der Spiëgel (SCHUMANN, Harald e MARTIN, Hans-Peter, A armadilha da globalização, editora Globo, 4ª edição, São Paulo, 1996).
Recente artigo na Revista da “Ordem dos Contadores da França” de número 269 (página 30) inspirou até manchete na capa da referida sob o titulo “O Valor Justo no coração da crise”; a matéria editada tece ácidas críticas técnicas ao modelo, esse que no Brasil agora se consagra pela Lei 11.638/07; semelhantes críticas a tal critério de avaliação ocorrem na entidade máxima dos Contadores de Portugal (Revista CTOC).
Não se justifica, pois, a meu ver, desqualificar o conhecimento de toda uma comunidade profissional (como se tem erroneamente insinuado) em razão de normas que além de defeituosas só atingirão infinitésima parte de nosso mundo econômico.
A informação na Contabilidade não se tornou inválida do dia para a noite; o que está ocorrendo, sim, é a tradução de regras do inglês para o português, dimanadas de uma entidade privada, para atender a interesses da especulação financeira.
Mesmo decorando todas essas normas um profissional jamais adquirirá cultura que lhe permita produzir orientações para a gestão de negócios; trata-se de mera prática informativa eivada de defeitos gravíssimos, especialmente os do arbítrio e do ensejo do “subjetivo”; tal “volatilidade” terminará por tornar não confiáveis os demonstrativos contábeis, conforme a imprensa internacional de maior seriedade tem evidenciado (artigos editados em minha página www.lopesdesa.com.br e em outras detalham sobre tais acusações).
Difundir, pois, notícias de que a lei 11.638/07 reformou todo o regime contábil brasileiro, que a classe contábil é incompetente ou está desatualizada, é manifestar desconhecimento sobre o assunto e induzir terceiros a equívocos.
Uma simples análise profunda da situação atual, dos efeitos precedentes de muitos escândalos expressivos no mercado de capitais, sob a ação de uma “tríplice aliança” (como acusou o prof. Valério Nepomuceno) entre algumas empresas especuladoras, algumas entidades de classe e alguns auditores, é suficiente para bem esclarecer a realidade da presente questão.
O que resultou em trilhões de dólares de amargas perdas, em face de calotes internacionais, é expressivo demais para ser considerado como exceção; nem pode, também, serem tratados a partir de se combaterem apenas “efeitos”, sem procurar se erradicar as causas nas quais as normas se inserem, segundo acusaram já há tempos os grandes intelectuais e professores universitários estadunidenses Abrahan Briloff e Stephen Zeff, dentre outros.
Contato: lopessa.bhz@terra.com.br