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A CSLL e a imunidade das receitas da exportação
Uma das grandes discussões tributárias atualmente pendentes de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) diz respeito à aplicação ou não da imunidade das receitas de exportação à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Uma das grandes discussões tributárias atualmente pendentes de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) diz respeito à aplicação ou não da imunidade das receitas de exportação à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Essa imunidade foi introduzida na Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001, e estabelece que nenhuma contribuição social incidirá sobre receitas decorrentes de exportação, conforme dispõe o artigo 149, parágrafo 2º, inciso I da carta.
Os argumentos de ambas as partes são mais do que conhecidos. Por um lado, a Fazenda Nacional alega que a referida imunidade somente afastaria contribuições sociais que incidissem diretamente sobre as receitas, como o PIS e a Cofins. Por outro lado, os contribuintes sustentam que tal imunidade deve alcançar não só as contribuições diretamente incidentes sobre as receitas, mas também aquelas que onerem indiretamente as receitas decorrentes de exportações, como a CSLL.
A CSLL incide sobre o lucro líquido do contribuinte, cuja apuração decorre, basicamente, do confronto das receitas auferidas pela pessoa jurídica com as despesas por ela incorridas na sua atividade empresarial. A rigor, o lucro nada mais é do que um componente da receita, pois esta é formada pelo custo da produção do bem ou serviço e a margem de lucro pretendida pelo empresário. Dessa forma, fica evidente que a CSLL, embora incida diretamente sobre o lucro, onera indiretamente as receitas, inclusive as receitas de exportação.
A partir do momento em que se entende a estreita vinculação entre lucro e receita, há que analisar o texto constitucional de modo completo, para que se conclua qual a interpretação que a ele melhor se adequa.
Primeiramente, importante pontuar que o dispositivo no qual foi inserida a imunidade - o artigo 149 - é a matriz constitucional de todas as contribuições sociais. Assim, a partir do momento em que a Constituição prevê as espécies de contribuições sociais em outros dispositivos, como o artigo 195, no caso da CSLL, torna-se evidente que, ao ser incluída no nascedouro das contribuições, aquela imunidade pretendeu alcançar todas as espécies e subespécies daquele tipo de tributo.
Em segundo lugar, é público e notório que o legislador nacional vem, há bastante tempo, procurando desonerar as exportações dos produtos nacionais. Essa preocupação decorre da necessidade imperiosa de o país buscar uma melhor inserção dos produtos nacionais no mercado internacional e, por conseguinte, fomentar o desenvolvimento nacional. A partir dessa premissa, fica claro que a imunidade em tela objetivou justamente dar mais um passo para o melhor desempenho das mercadorias nacionais no mercado externo, estabelecendo, ali, mais uma forma de se incentivar a exportação desses produtos, ao determinar que nenhuma contribuição social, de forma geral, pode onerar as receitas de exportação auferidas pelo contribuinte.
Em terceiro lugar, é de se notar que os tribunais brasileiros já reconheceram que isenções tributárias concedidas a certos tipos de receitas são aplicáveis à CSLL, como no caso das cooperativas, às quais foi concedida uma isenção completa em relação a um tipo de receita - as receitas de atos cooperativos. O embate foi o mesmo: o fisco alegou que essa isenção não alcançava a CSLL, que deveria incidir sobre todo o lucro das cooperativas, independentemente do tipo de receita que o gerou; enquanto as cooperativas defenderam que a CSLL somente poderia incidir sobre o lucro decorrente das receitas dos atos não-cooperativos, sob pena de indevida oneração da receita dos atos cooperativos. Diante disso, nos parece lógico que, para que a imunidade em tela tenha máxima eficácia, ela deve afastar a incidência de todos os tributos que, direta ou indiretamente, onerem o tipo de receita imunizado (as receitas de exportação), como ocorre com a CSLL.
Em 2007, o pleno do Supremo, em uma ação cautelar relatada pelo ministro Cezar Peluso, em julgamento unânime e que contou com voto específico do ministro Marco Aurélio, proferiu uma decisão favorável à empresa. Desde então, os contribuintes passaram a ter forte esperança de que o desfecho desse caso lhes seria favorável, a qual foi reforçada por uma sequência de julgamentos monocráticos no mesmo sentido, proferidos pelos ministro Menezes Direito, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Surpreendentemente, ao proceder ao julgamento de mérito do "leading case" sobre a matéria, alguns ministros mudaram o entendimento anteriormente manifestado: quatro votaram contra o contribuinte (Marco Aurélio, Menezes Direito, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto) e quatro votaram a favor do contribuinte (Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Eros Grau e Cezar Peluso), restando os votos dos ministros Ellen Gracie, Celso de Mello e Joaquim Barbosa. A situação está absolutamente indefinida, sobretudo porque, dos três ministros que ainda votarão, apenas Celso de Mello já analisou a matéria.
É verdade que, a partir de 2005, o Supremo proferiu notórios julgamentos em favor do contribuinte e ensaiou alguns outros. Todavia, apesar da euforia inicial gerada por essa posição mais independente da suprema corte, o impulso arrefeceu e o Supremo parece ter voltado a ceder ante os interesses exclusivamente arrecadatórios do Estado, como no caso da modulação de efeitos da decisão que determinou a aplicação do prazo de cinco anos à decadência e à prescrição das contribuições previdenciárias, bem como na suspensão de todos os feitos que versam sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, até que se finalize o julgamento de uma ação proposta pela União após já terem sido proferidos seis votos favoráveis ao contribuinte em outro recurso sobre a mesma matéria.
Espera-se sinceramente que, nesse caso, a nossa mais alta corte retome o caminho da autonomia, paute-se exclusivamente na interpretação da Constituição Federal, ignore todas as pressões políticas que certamente lhe serão dirigidas pelo poder público e, consequentemente, garanta a efetividade da imunidade em tela, aplicando-a também à CSLL.
Diogo Ferraz é advogado do escritório Avvad, Osorio Advogados e mestre em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)