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Valor efetivo da riqueza patrimonial e normas contábeis

O acontecimento é antecedência e a medida é consequência.

O conceito de “valor” em Contabilidade fundamenta-se em atribuição quantitativa à qualidade de fenômeno patrimonial. O acontecimento é antecedência e a medida é consequência.

Qualidade de fenômeno (como antecedente) é o que de essência representa o perceptível, ou seja, o que é “realidade objetiva”, ou “efetividade de qualquer acontecimento havido ou por haver”.

Não se pode, pois, quantificar sem qualificar.

 

Como qualificação é “comparação”, depende esta contabilmente de “relaçãoentre coisas ou fatos”, em face da capacidade em cumprir a finalidade do empreendimento, consoante ao “estado ou situação” em que se acha o curso da riqueza patrimonial.

Um universo de sistemas de relações lógicas existe a ser observado para que se possa sem maiores incertezas traduzir a realidade objetiva em grandezas valorimétricas.

Relações “essenciais” do patrimônio (necessidade, finalidade, meios e funções) devem ser julgadas, para fins de comparação, com as “dimensionais” (causa, efeito, tempo, espaço, qualidade e quantidade), sob a ótica das múltiplas que indutoras de movimentação ou dinâmica patrimonial, provenientes dos “ambientes” que formam os “entornos” ou “continentes da riqueza” (natureza, sociedade, mercado, legislação, tecnologia, política etc.); somente com o apoio de tal metodologia relativa é possível abranger o requerido pela ciência contábil no campo da mensuração dos fatos. Indutores da influência (relações lógicas dos entornos ou ambientais), porque, como,quando, aonde, em que e quanto influi (relações lógicas dimensionais), sobre o que influi (relações lógicas essenciais) são todos aspectos imprescindíveis de consideração para a determinação quantitativa patrimonial.

Axiomáticas são, pois: 1) - a inexistência de “valor absoluto” em matéria contábil, 2) - o multiforme aspecto de apresentação da realidade determinável e a 3) - imprescindibilidade de quantificar tendo em vista as condições referidas. Tais verdades não só foram asseveradas pelos clássicos da doutrina contábil, como são perfeitamente constatáveis pela experiência; o “valor patrimonial” não existe por si só, sendo consequência de algo subordinado a variáveis, todas necessárias de apreciação para que a atribuição de qualidade possa gerar uma determinação de valor sem maiores riscos.

Admitir, portanto, que a justiça do valor esteja em considerá-lo apenas sob a restrita ótica da “marcação a mercado” ou “probabilidade de realização em dinheiro”, é miopia intelectual na questão, além de ensejo de riscos, pois, os elementos mencionados são apenas aspectos de um complexo, nem em todos os casos presentes.

Nos cenários diversos que se apresentam no curso da riqueza (instalação, experimentação, pesquisa, funcionamento, ampliação, retração, paralisação, contingências, cisão, fusão, incorporação, liquidação, reorganização etc.) existem peculiaridades quanto à avaliação e que não se prendem exclusivamente a questões de naturezas mercadológicas e nem às de probabilidades de realizações em dinheiro (estas derivadas de aspectos de influências exógenas e nem sempre apoiadas em realidade, ensejando subjetivismo, maquiagem, manipulação e incertezas).

O desacerto que está a gerar questionamentos sobre o que as denominadas como “normas internacionais de Contabilidade” (que em verdade são anglosaxônicas) estabelecem como “Valor Justo” reside exatamente na ausência de embasamento da realidade, esta que guia a teoria científica, que se fundamenta na “relatividade da mensuração do fato patrimonial”, ou seja, do não caráter absoluto na “quantificação pelo valor”, obrigando que todos (e não só alguns) os fatores sejam considerados no sentido de eliminar riscos.

Têm sido determinadas debilidades lógicas e carências de embasamento científico das normas mencionadas os responsáveis por sucessivas fraudes no mercado (caso da ENRON, para citar apenas um exemplo); essas colaboraram também com a magna crise mundial, acobertando ativos podres e lucros fantasiosos e continuam interferindo em ajustes patrimoniais imaginários, tal como denunciou recente e publicamente Krugman, prêmio Nobel de Economia 2008.

Como a movimentação patrimonial é atada à qualidade da função e esta se subordina aos interesses internos da empresa, das finalidades a serem alcançadas, nem sempre é a mencionada coincidente com fatores exógenos ou de terceiros; não se trata no caso de subjetivismo, mas da objetiva qualidade (que também deve subordinar-se aos rigores da legislação de cada País) no sentido de representar a real “capacidade funcional da riqueza”, consideradas as relatividades dos “estados do patrimônio”. Demonstrar o que se acredita possa vir a ser um valor em vez do que realmente é operacionalmente é uma forma de falsear a informação.

Admitir que uma empresa sem condições de produção, em razão de encontrar-se em “instalação”, possa ter expressão de valores patrimoniais tal como uma que se acha em pleno funcionamento ou de cisão é fugir à realidade; figurar bens em utilização como se mercadorias fossem é uma ofensa à realidade patrimonial.

No tangente à quantificação patrimonial escapa igualmente ao valor efetivo o que considera empresas na Itália, na Colômbia, na Austrália, da mesma forma que outras situadas na Costa do Marfim, Suécia ou na Coréia do Norte. Tais países possuem realidades diferentes que influem inegavelmente sobre as determinações de valores contábeis.

Não se trata de contradição nas relações patrimoniais, mas, sim, de subordinações destas aos fatores regionais determinantes que influem diretamente na consideração dos limites das operações que envolvem por consequência questões de direito civil, comercial, tributário e administrativo. Não se nega a universalidade dos efeitos da transformação da riqueza, mas, sim, as consequências impostas pelos cenários em que vivem as empresas e instituições, estas nas quais os patrimônios se situam.

Colocar, portanto, as IRFS acima da lei, das disposições governamentais, é pregar a anarquia, escancarando as portas à fraude e alimentar (como deveras alimentado foi) o ensejo de magnas crises financeiras que, como no presente, penaliza milhões de pessoas e empresas, com desastrosos efeitos sociais de trilhões de euros e dólares com o prejuízo social em benefício de uns poucos especuladores financeiros.

Utopia, portanto, é admitir que se possa fazer uma “convergência de informação contábil”, ao sabor de fantasioso “valor justo” (como Krugman afirmou), sem que exista uniformidade mundial de legislação, fato este que dificilmente ocorrerá em razão de fatores diversos como os relativos aos costumes, condições naturais, políticas, tradições culturais, realidades econômicas, condutas sociais, influências religiosas, maturações históricas, todas essas influentes sobre o regime legal.

Não são necessários muitos neurônios para entender que o valor efetivo da riqueza patrimonial é “relativo”, condicionado a muitos fatores, esses que não são exclusivamente os de mercados (perfeitamente hoje manipuláveis pela mídia) e liquidação (quase sempre de natureza incerta, especialmente em relação a bens de uso).

Fácil é concluir, portanto, que o denominado “Valor Justo” não encontra apoio na ciência, tal como imposto se acha pelas que se denominam como normas internacionais de Contabilidade, escapando, por efeito lógico, à realidade desejável, aquela que por razões éticas e legais os profissionais são obrigados a projetar como valor efetivo e relativo da riqueza patrimonial.

Além do mais, tal como conclui a prestigiosa revista “The Economist” de 14 de novembro de 2009, em “Divided and Overrruled”, a Contabilidade tornou-se um instrumento político de manobras. A “reversão do IASB” soou mal quanto às regras do dito como “valor justo”, esta que determina que ativos sejam marcados a preços de mercado, evidenciando que a pressão dos bancos e dos políticos está sobrepujando a técnica e a ciência. Tais “negociações de normas” ao sabor de pressões econômicas, todavia, segundo o divulgado pela revista, deverá resultar que a proporção dos ativos avaliados pelo denominado como “valor justo” deverá cair pela metade nas grandes empresas européias.

O fato referido pela “The Economist”, pois, coincide com a opinião de Krugman, prêmio Nobel de Economia de 2008, ou seja, de que as normas referidas se situaram no campo da “fábula”…

Está faltando realmente seriedade científica ao assunto segundo se tem percebido por depoimentos e noticiários.

Manipulações e desprestígio das instituições estão no ar, segundo se infere pela proposta de emenda apresentada pelo representante Ed Perlmutter, democrata do Colorado, fortemente apoiada pelos bancos, que aprovada poderá dar a um grupo de reguladores o poder de ordenar que a Comissão de Valores faça e desfaça em matéria normativa contábil segundo o noticiado pelo New York Times (Fonte: Volcker Criticizes Accounting Proposal - FLOYD NORRIS – 17/11/2009).

 

*Autor: Antônio Lopes de Sá
www.lopesdesa.com.br
Contato: lopessa.bhz@terra.com.br


Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.
 

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